Era Jesus um revolucionário? Reflexões sobre o papel da igreja no que se refere a manifestações políticas

Olá pessoal, tudo legal? Depois de muito tempo resolvi escrever algo aqui no blog da Fraternidade. Minha motivação, como vocês lerão a seguir, vem do clima da onda de manifestações populares que tem acontecido no Brasil nas últimas semanas. Tenho algumas reflexões sobre o papel da Igreja de Jesus e espero que essas reflexões possam ser úteis pra alguém, em algum  lugar.

A pergunta, título da postagem, é provocativa. Jesus era um revolucionário? Já ouvi, ao longo dos anos, muita gente chamar Jesus de revolucionário, de hippie, de rebelde, ativista político, e por aí vai... Considerando o que a Bíblia diz sobre Ele, como podemos responder a esta pergunta? E como Jesus é nosso referencial e nosso Senhor, a resposta a esta pergunta nos dará base para entendermos qual o papel da igreja nas manifestações políticas e como o cristão deve se posicionar frente a elas.

A palavra revolução, tão comum na Política, na Filosofia, na Sociologia, começou a ser usada na verdade nas ciências naturais. No século XVI, foi publicada a obra do astrônomo polonês Nicolau Copérnico, intitulada: "Das revoluções das esferas celestes"(1543). Neste livro, ele apresenta a teoria heliocêntrica, que diz que a terra gira em torno do sol, além de discorrer sobre os movimentos dos astros. A teoria copernicana foi altamente radical na época, contrariando as ideias de Aristóteles e Ptolomeu, defendidas pela Igreja Católica, que afirmava que a terra estava estática no centro do universo e os demais corpos celestes se moviam em volta dela. Assim, revolução é um tipo de movimento executado pelas esferas celestes. Esse foi o uso inicial do termo na astronomia.

Séculos depois, a palavra revolução começou a ser usada na política. O primeiro uso aconteceu em 1789, no início da Revolução Francesa. Conta-se que, quando o povo francês tomou as ruas de Paris, o rei Luiz XVI perguntou no palácio: o que é isso? Uma revolta? um motim? E o conde La Rochefoucault respondeu: "meu rei, isso é uma revolução!" A partir daí, revolução começou a ser usada com conotação política e passou a ser vista mais nas ciências humanas e sociais, do que nas naturais, de onde é originária. 

Fala-se em revolução pra designar grandes movimentos que geram grandes mudanças, sociais, políticas e econômicas. São eventos radicais, geralmente com participação popular e confrontos. A revolução tem, desde o planejamento, um projeto radical de transformação social, mudança nas estruturas sociais e econômicas. E é sempre um processo vitorioso. Não se pode chamar de revolução um processo que falhou.  Podem ser levantes, revoltas, motins, mas não revoluções. Também não pode se chamar de revolução movimentos que não passaram da fase conspiratória, como a Inconfidência Mineira e a Conjuração Baiana. Como a revolução visa mudanças estruturais na sociedade, uma mera mudança de governo não se encaixa no perfil da revolução, tampouco um golpe militar. Assim, as palavras que tem a ver com revolução são movimento, transformação, luta, radicalismo...

Jesus trouxe, inegavelmente, conceitos altamente radicias; pregou a transformação e foi responsável pelo maior, mais duradouro e mais forte movimento já visto no planeta. Seus seguidores desafiaram a morte, a perseguição, as torturas e todo tipo de oposição para cumprirem a Sua vontade. Neste sentido, pode-se falar em revolução, mas revolução no homem. Os conceitos de Jesus são altamente elevados e difíceis de serem assimilados, mesmo no século XXI. Por exemplo, dar a outra face ao agressor é um conceito radical. Assim como o "negue-se a si mesmo". Jesus trouxe a libertação do homem da escravidão do pecado (Jo 8:32), pregou uma mudança de atitude transformadora, com potencial para transformação social. Pregou a humildade, a integridade, a verdade, e sobretudo o amor (Jo 13:35). Sua mensagem é espiritual, mesmo que com implicações práticas: "De que vale ganhar o mundo e perder a sua alma?". O grande feito de Jesus não foi desafiar o império romano, ou os sacerdotes de Jerusalém, mas propor ao homem a revolução de si mesmo, o arrependimento das obras mortas (Mt 3:17) e o novo nascimento. Ele morreu a morte de cada um de nós (2Co 5:14), que estávamos mortos em nossos pecados e afastados de Deus, satisfez a justiça de Deus e nos elevou à categoria de filhos de Deus, assim como Ele (Jo 1:12). Jesus pode ser sim, considerado o maior revolucionário que já existiu, levando em conta sua mensagem transformadora altamente radical e as mudanças que ele operou e continua operando dia após dia na vida de todos os que crêem nEle. 

No entanto, é forçoso e equivocado colocar Jesus como ativista político ou como revolucionário, no sentido tradicional. Jesus, como rei de Israel (Mt 2:1-2), era o líder político do povo, mas não chegou a exercer esta função. Ele nasceu em belém, Cidade de Davi, porém veio a terra em uma família simples. Cresceu em Nazaré da Galileia, norte de Israel, região pobre e discriminada do país. Jesus não incitou uma revolta popular, não apoiou o partido dos zelotes que buscava restaurar a soberania nacional dos judeus combatendo os romanos, nem pregou nenhuma revolução política. Suas palavras e ações eram dirigidas ao ser humano enquanto indivíduo e buscavam resgatar este indivíduo. A salvação do homem, ato individual, dependente apenas da fé de cada pessoa e da graça de Deus (Ef 2:8), que transforma o sujeito, mesmo que com implicações coletivas. 

Jesus não pregou contra os privilégios da classe farisaica, mas contra a sua hipocrisia. Não pregou contra a corrupção política, mas contra a corrupção presente em cada pessoa. Ele sabia que não há um justo, nenhum sequer (Ro 3:10) porque todos pecaram (Ro 3:23). Jesus sabia que a plenitude e realização do homem estavam muito além das condições de vida na terra, não desvalorizando a vida material, mas consciente que, antes de tudo, era preciso satisfazer a justiça de Deus e resolver o problema do pecado. Com sua morte sacrificial Ele nos resgatou, nos redimiu e nos salvou (Ro 10:9-13). Essa era a sua missão, e a missão que Ele passou para a igreja não foi de enfrentamento do Estado ou das autoridades, nem uma subversão armada. A missão da igreja é pregar o evangelho, glorificar a Deus com suas ações, dar testemunho dEle, não se corromper com o mundo e o pecado (Ro 12;2), chorar com os que choram, se alegrar com os que se alegram, acolher o órfão e a viúva.
Quando Jesus expulsou os mercadores do templo Ele não estava se colocando contra o comércio e afrontando a classe dominante de Israel, num ato político. Ele estava expulsando aqueles que profanavam o templo (Mt 21:12). O objetivo era preservar o lugar sagrado. Estava sendo zeloso com as coisas de Deus (Jo 2:16-17). Quando perguntaram sobre o tributo pago aos romanos, Ele disse: "a César o que é de César, a Deus o que é de Deus" (Lc 20:25). Não propôs a rebelião contra Roma. Ele também disse pra virar a face ao agressor, não para revidar. Disse para não resistir ao malvado (Mt 5:39). Quando Pedro sacou a espada para evitar que Ele fosse preso, Jesus disse: "Pedro, largue a espada"(Mt 26:52). Quando os judeus entregaram Jesus a Pilatos, representante do poder político romano, ele relutou em matá-lo, pois não achou nEle crime nenhum (Lc 23:4). Isso é óbvio, já que Jesus não era um agitador político, nem o líder de nenhuma revolta popular.  

Após a morte, ressurreição e assunção de Jesus aos céus, seus discípulos não pegaram em armas para conquistar o poder político de Israel. pregaram a despeito das perseguições e foram mortos, durante séculos, seja pelas autoridades judaicas, seja pelos romanos. Quando Roma invadiu Judá, em 70 d.C., a igreja se afastou das batalhas e não tomou parte na guerra contra o império. Os cristãos, originalmente, buscavam cumprir seu chamado, agradar a Deus e resistir ao mundo. Não havia o desejo de obter poder político ou econômico, ou se "embaraçar com os negócios desta vida".  

Isto não quer dizer, absolutamente, que os cristãos devem ser alienados politicamente. Eles devem conhecer política e serem ativos na medida que um cidadão consciente precisa ser. O cristão pode se engajar enquanto cidadão e individualmente, em questões políticas, sejam manifestos, protestos, discussões, eleições, etc. O limite desta atuação deve ser pautado pelos princípios bíblicos. O crente deve agir dentro da lei, dentro da moral e da ética, respeitando e se dando ao respeito. Não é a igreja enquanto instituição. Não vejo Jesus delegando esta tarefa para seu povo, enquanto coletividade. Mas sim as pessoas, como cidadãos pensantes e conscientes. O crente pode e deve lutar contra as injustiças, mas dentro dos princípios que baseiam nossa conduta. Não deve fazer alianças escusas nem levantar a bandeira de movimentos anticristãos. E, principalmente, saber qual nosso objetivo, quem somos e qual nossa real função, enquanto embaixadores do reino de Deus. Nosso foco é nosso serviço ao reino de deus, do qual somos súditos. 

Dito isto, penso que Jesus não estaria nas manifestações, lutando contra o governo ou defendendo uma revolução comunista. Penso que Ele estaria mostrando ao homem como se libertar, não do jugo capitalista, mas da escravidão do pecado. Penso que estaria ensinando como conhecer a Deus e como alcançar a plenitude enquanto seus filhos. estaria curando, ressuscitando, servindo, amando. Isso não seria numa passeata, mas nos lugares onde as pessoas se reconhecessem como necessitadas de Deus. 

Respondo a pergunta inicial da seguinte forma: Jesus não foi um revolucionário como Robespierre, Chê, Lênin, Trotsky ou Mao Tsé Tung. Não propôs uma revolução política, social, ou um levante armado e a subversão do poder dominante. Mas propôs a rebeldia do homem contra si mesmo, contra o pecado e a corrupção inerentes ao gênero humano, e nos trouxe a maior e mais perene libertação de todas, levando o homem à plenitude, reconciliando-o com Deus. Neste sentido, Jesus foi sim o maior dos revolucionários, não podendo nem mesmo ser comparado a qualquer um dos homens acima citados ou qualquer outro.

Graça e Paz!


Comentários

  1. Graça e Paz, TJ!

    Primeiro, parabéns pela exposição clara e objetiva do propósito de seu post. Muito bom! Bem escrito, elucidativo e bem embasado. Irretocável! (para usar a mesma expressão que você usou para meu texto).

    Concordo plenamente com você. E acho que todo esse pessoal não entendeu ainda isso: o problema não é exterior aos homens e mulheres, o problema é interno. Não é o sistema que é ruim, são as pessoas, pois não existe sistema sem pessoas. Não adianta, pode mudar o sistema, a economia, a ciência, a educação, etc.; no máximo teremos pessoas mais domesticadas ou menos domesticadas, mas no fim das contas o mal permanecerá latente, pois o homem foi corrompido, contaminado, geneticamente alterado para a maldade.

    Devemos construir uma sociedade mais justa? Sem dúvida alguma! Como? Simples, basta vivermos o que Cristo nos ensinou: repartir o pão, não retribuir o mal com o mal, sermos honestos e dignos. Se todos fizerem isso o país vira uma belezura! No entanto, não é possível ser assim até que sejamos transformados pelo evangelho de Jesus. Ele é o único capaz de nos livrar do pecado e do mal que lutam pelo domínio em nós. Com a vitória do bem, que é a vontade de Deus em nós, podemos praticar o bem e, consequentemente, ajudarmos a tornar o mundo melhor.

    Devemos protestar, nos engajar na política, sermos bons profissionais, praticar justiça social independente de governos e repartir o que temos com os outros! Mas tudo isso é consequência de uma mudança interior que nos livrou do mal, do pecado, do egoísmo, da mentira e do engano. E Jesus é o maior exemplo de como viver uma vida revolucionária sem atirar uma pedra sequer.

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  2. Olá, TJ! Muito bom ler o seu texto! Precisamos dessas reflexões não somente em momentos críticos,ou em que certas situações veladas são evidenciadas, mas diariamente, para que estejamos em constante preparação para os dias maus!Pois como você disse, nossa revolução não está em pegar armas, participar de passeatas, alguns protestos durante uma semana. Entretanto, nossa missão é maior do que esta, e exige que um empenho diário na propagação do Evangelho, do Amor, do Perdão e da Santificação em Jesus Cristo! Espero, que a começar em mim, possamos realmente nos despertar para essas verdades espirituais e que nossas vidas sejam dedicadas plenamente à causa de Jesus!

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  3. Obrigado pelos comentários! Fico feliz que tenham gostado. Abração!!!!

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