Os glutões não herdarão o reino de Deus


Ao longo das épocas, culturas e sociedades, a glutonaria já foi percebida de várias formas: como símbolo de prosperidade e de saúde, mas também de degradação e descontrole. Costumes e interpretações sociais do fenômeno vão e vem, de um tempo ao outro, mas, de um jeito ou de outro, a glutonaria permanece presente entre as ações humanas.

Acredito que hoje exista uma tendência a considerar a glutonaria como uma questão patológica, ou seja, o glutão possui esta atitude por uma disfunção biológica/psíquica e precisa de auxílio médico. Não sou especialista na área, sequer sou da área de saúde, mas não vejo, ao menos a maioria dos casos, desta forma. Acredito que isto é uma questão psicológica, sim, mas não que seja uma patologia. Acredito que se trata mais de uma questão inerente ao ser humano, mas que, por um motivo ou outro, descontrolou-se.

O ser humano tem a necessidade de alimentar-se. Isso é natural e próprio de nossos corpos. No entanto, poderíamos considerar a alimentação excessiva, o comer além do necessário, como uma distorção desta necessidade natural. Sabemos, até mesmo, que nossos corpos não suportam qualquer quantidade de alimento, existe um limite de recepção e que todo o excesso de nutrientes será "estocado" em forma de gordura, o que, em excesso, poderá provocar outros problemas sociais e de saúde. As causas deste desvirtuamento de uma condição natural podem ser variadas, até mesmo patológicas (questões de ordem hormonal, inclusive). O estranho (ou interessante) nisto tudo é que sabemos que sempre hão de existir glutões, seja por patologia ou por questões culturais, mas que o evangelho sempre os condenará nesta prática. Isto pode nos levar à pensar que o evangelho é desatualizado, ou que seja preconceituoso contra os glutões, ou ainda que não leve em consideração as questões próprias de cada época ou cultura.

Hoje, com a "cultura dos magrinhos" e a "alimentação saudável" da geração fitness, é fácil achar que ser glutão é algo ruim e desagradável, além, é claro, de poder causar doenças. Mas deixando de lado a cultura slim de nosso tempo, podemos construir um exemplo para nos ajudar a refletir: um sujeito que é glutão, tem seus 32 anos, trabalha em casa desenvolvendo web sites (ganha muito bem), mora sozinho, não tem, nem quer ter, uma namorada, se sente feliz assim e não tem preocupação sequer em se tornar obeso ou ter problemas cardio-vasculares. Com isso, pergunto: afinal, desde que ele se sinta feliz e não incomode ninguém, qual o problema de comer demais?

O argumento de que ele trará prejuízos ao setor público de saúde é muito fraco e mesquinho. A verdade é que não nos importamos, nem o sistema de saúde se importa, com a vida de cada indivíduo, especialmente se ele for "estranho" à nós. O argumento de que ele não poderá ter uma vida plena e saudável também não, pois, como explicitado no exemplo, ele se sente bem com isso. Tão pouco o argumento de que ele não será aceito socialmente cabe, pois nosso glutão do exemplo não se importa com a vida em sociedade, ele gosta mesmo é de ficar só em casa, ele só quer ser feliz ao lado de seu saquinho de salgados.

Bem, em tempos de cultura pós-moderna, a resposta a essa pergunta seria simplesmente: "Então, deixa o cara!" mas, até esta postura, é mesquinha e não corresponde com a verdade. Seja por causa biológica ou por posturas culturais, nos incomodamos com a glutonaria. Talvez em alguns tempos e sociedades o incômodo seja menor ou restrito (os pobres e famintos, ao longo da história, provavelmente se incomodarão mais com esta prática), mas, sem dúvida, comer além da conta sempre será visto como "além da conta", como passar dos limites. Gostemos ou não, concordemos ou não, o homem é um ser social e o outro sempre terá efeitos em nós, seja de aprovação, seja de desaprovação. O comer demais ou comer de menos sempre causará incômodo por fugir ao padrão (gostemos ou não, concordemos ou não, existem padrões).

Assim, mesmo em nossa época, por mais que se construa essa sociedade individualista e egocêntrica que pulveriza tudo, o glutão causa incômodo (mesmo que não expressemos isso). Em nossos dias, a lei do "cada um por si" nos ensina a não nos importar com o outro desde que ele não interfira no "meu". "Se o cara é feliz assim, deixa o cara!" é uma frase recorrente. No entanto, não conseguimos nos isolar completamente uns dos outros e assim construimos ligações fracas, por interesse ou sintonia momentânea; ligações que podem se romper facilmente, pelo tempo, espaço, ou mudança de interesse. O fato é que, por sua natureza social, a humanidade se autoinfluencia. Cada pessoa interfere na outra e não é possível pensar que cada um pode ficar "na sua" e fazer o que "der na telha". Para os cristãos isso é ainda mais evidente: "Que todos sejam um" ou "Tenham todos uma mesma forma de pensar" não são sugestões, são mandamentos a seguir.

Voltando para a questão da glutonaria, percebemos que para o cristão as possibilidades de interpretação são pequenas. Mesmo que seja uma questão biológica/patológica ou que seja bem aceita em determinadas sociedades a glutonaria é percebida como pecado. Caso seja biológica/patológica, deverá ser tratada; caso seja cultural, deverá ser abandonada. A atitude de glutonaria, de uma forma ou de outra, não está de acordo com a proposta de Deus para o homem. Ser cristão envolve também desenvolver uma disciplina em relação aos desejos e impulsos de nosso corpo. Gostemos ou não, concordemos ou não, tenhamos ou não tenhamos explicações científico-culturais para nossas atitudes, algumas delas deverão ser abandonadas:

Porque as obras da carne são manifestas, as quais são: adultério, prostituição, impureza, lascívia, idolatria, feitiçaria, inimizades, porfias, emulações, iras, pelejas, dissensões, heresias, invejas, homicídios, bebedices, glutonarias, e coisas semelhantes a estas, acerca das quais vos declaro, como já antes vos disse, que os que cometem tais coisas não herdarão o reino de Deus. Mas o fruto do Espírito é: amor, gozo, paz, longanimidade, benignidade, bondade, fé, mansidão, temperança. Contra estas coisas não há lei. E os que são de Cristo crucificaram a carne com as suas paixões e concupiscências. (Galátas 5. 19-24 ARA)

Não tenho explicação científica para o porquê de Deus não se agradar de todas estas coisas. O fato é que Ele não gosta. Algumas delas sequer são aceitas socialmente, mas pode ser que em determinada época ou cultura elas sejam bem vistas ou percebidas como "geneticamente inerentes à nossa espécie". Não importa. Como cristão, que busca agradar ao Pai, devo deixar de lado todas as coisas que Deus, em sua palavra, não aprova. Acredito que cada cristão deve se enquadrar em pelo menos uma destas atitudes que Deus não aprova. Sei que meu lado carnal se encaixa em pelo menos duas coisas nesta lista. Talvez de algumas delas Deus nos livrará como num passe de mágica. Talvez de outras tenhamos de exercitar o domínio da carne e segurar as rédeas na força que o Senhor nos der. A questão é que cada um terá de enfrentar alguma "glutonaria" que deverá ser posta de lado por amor a Deus. Cristãos sinceros, que tiveram revelação do amor de Deus, não tem problemas em entender estas coisas. Deixar de atender a meus impulsos e desejos não é sacrifício grande demais, nem é me despersonalizar, deixar de ser quem sou: é apenas agir da forma que Aquele que me fez planejou para mim.

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