OBLIVION


“ESQUECENDO-ME DAS COISAS QUE ATRÁS FICAM, E AVANÇANDO PARA AS QUE ESTÃO DIANTE DE MIM, PROSSIGO PARA O ALVO, PELO PRÊMIO DA SOBERANA VOCAÇÃO DE DEUS EM CRISTO JESUS.” FELIPENSES 3:14

O célebre narrador machadiano, Brás Cubas, depois de morto, resolve escrever suas memórias. Ao refletir sobre os seus cinquenta anos de idade, intitula o capítulo “OBLIVION” para tratar justamente sobre o ESQUECIMENTO. Brás Cubas que é muito dado à filosofia, faz elucubrações acerca do amor e da vida. Para ele, o amor acende a memória e empolga o leitor, mas o fim do amor, leva ao desinteresse pela continuação da sua história, pois aos cinquenta anos, sozinho, que coisas há de lembrar que faça também ao leitor não esquecê-lo? Entretanto, tudo isso é apenas artimanha desse narrador sagaz, pois ao fazer o leitor pensar que nada mais vale a pena lembrar a essa altura da vida, na verdade, incentiva o leitor a lembrar do que deveria, supostamente, esquecer. Que sutileza, não? É o que se denomina ironia, a figura de linguagem que diz uma coisa querendo dizer outra, instaurando a ambiguidade e a pluralidade de sentidos.
            Diante disso, o leitor chega a um impasse - lembrar ou esquecer? Mais ainda, do que lembrar e do que esquecer? Brás estava recordando uma vida vazia, da qual nenhum fruto colheu, nem profissão nem casamento, não deixou nenhum legado à humanidade (outra ambiguidade: não legou filhos, mas escreveu um romance). Entretanto, ao invés de esquecer, ele preferiu rememorar tudo. Então, será que ele quer mesmo que o leitor interrompa a narrativa neste capítulo e esqueça tudo? Acho que não. Ele tinha um propósito bem definido, mas cabe ao leitor encontrar também o seu propósito na leitura, assim como em tudo na vida.
            Outros grandes personagens da literatura se encontraram nesse impasse. Podemos citar Ulisses. Em sua viagem de volta à Ítaca enfrentou pelo menos por três vezes o impasse lembrar ou esquecer. Logo no início de sua história, ancora em uma costa desconhecida, envia tripulantes para investigar a ilha. Estes demoram a retornar, então ele mesmo vai buscá-los e os encontra embriagados de esquecimento, saboreando o fruto de lótus. Noutro episódio, ele chega ao palácio de Circe, onde seus homens são transformados em porcos e perdem a memória da pátria. Ao sair para ajudá-los, Hermes, mensageiro dos deuses, alerta Ulisses e concede-lhe um antídoto, com o qual Ulisses salva seus homens e a si mesmo. Por fim, a deusa Calipso tenta fazê-lo esquecer da esposa Penélope, através do amor. Outra vez o amor. Entretanto, após sete anos nesse engodo, Zeus novamente envia Hermes, que fala a Calipso para liberar Ulisses.
            Do mesmo modo que Ulisses, vivemos a “odisseia” diária de lutar contra o esquecimento. Mas de qual esquecimento? Do esquecimento de Deus! O mundo está cheio de artimanhas, como a narrativa de Brás Cubas, que parecendo nos levar por um caminho, em verdade, nos está desviando para outro. As coisas do mundo às vezes nos iludem. Pensamos que são boas, vamos achando todo tipo de pecado normal, nos acomodamos ao ritmo alienado da maioria, e esquecemos que somos diferentes, que não somos deste mundo. Ao esquecer isto, estamos nos esquecendo do nosso Deus e do compromisso de vida santa que devemos buscar aqui na Terra. Além disso, ficamos a saborear o fruto de lótus, que pode ser riquezas, comodidade, vida fácil. Ou até mesmo o amor, o amor por essas coisas, o amor impuro, o amor doentio, como o de Calipso, ou o amor vazio, como o de Brás Cubas, que nos prendem numa vida farta de ausências, sem sentido.

            Portanto, precisamos lembrar e esquecer: lembrar de Deus e esquecer do pecado. E, lembrar do pecado para não esquecer de Deus!

Comentários

  1. Pri, você arrasa!

    Lembrar e esquecer são duas faces de uma mesma moeda. Lembrar implica em ter esquecido e esquecer remete a algo que fazia parte de nossas lembranças.

    A Bíblia nos diz que Deus sempre se lembra de seus santos e lança nossos pecados no mar do esquecimento e já não lembra mais deles. Nós é que muitas vezes teimamos em tentar trazer nossos pecados de volta, como os que buscam trazer a tona um Titanic afundado no fundo do Atlântico. Nossos esforços, como você bem diz, deve ser o de não esquecer de nossa pátria celeste, de onde não temos lembranças, e de esquecer de cometer pecados, o que deve sempre estar em nossas mentes.

    É nesse aparente paradoxo, equilíbrio da vida cristã, que devemos viver, relacionando sempre o que devemos ter em mente e o que devemos deixar fora dela, para podermos chegar, sem tantos percalços, o mundo para o qual fomos feitos.

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    1. Já é brother! Tô aqui lendo uns textos que ainda não tinha lido, e tem sido muito bacana!!!!

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  2. Poxa, muito legal! Ótimo texto e encerra de forma brilhante. Gostei muito!

    Graça e Paz!

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